Entrevista exclusiva: Para IFI, problema fiscal está longe de ser resolvido neste ano

Brasília, 3 de fevereiro – A dívida pública continuará a crescer por anos em relação ao Produto Interno Bruto, PIB, e o déficit público deve piorar mesmo que o Teto de Gastos seja preservado. Ou seja, o problema fiscal não tende a ser resolvido neste ano, avalia Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, IFI, um think-tank ligado ao Senado Federal. Confira abaixo a entrevista exclusiva que Salto concedeu à TC Mover.
TC Mover – O que o Congresso precisa aprovar neste início de ano para o país manter o equilíbrio fiscal no curto prazo?
Felipe Salto – A IFI tem indicado, nas suas projeções, que a tendência de alta da dívida/PIB deve permanecer, ainda, por vários anos. A reversão do déficit público acontecerá à medida que ações forem tomadas para ampliar receitas e cortar gastos. A Proposta de Emenda à Constituição Emergencial, que está em tramitação no Congresso, poderia ajudar na questão do Teto de Gastos. O Orçamento ainda não foi aprovado e essas questões precisarão ser contempladas na Lei Orçamentária Anual.
TC Mover – Em sua visão, será possível cumprir a meta fiscal com déficit de R$247,1 bilhões para 2021? Quando a tendência de alta da dívida pública poderá ser revertida e quais os principais erros fiscais do atual governo?
Salto – O déficit programado na Lei de Diretrizes Orçamentárias poderá ser pior, mesmo que a válvula de escape do crédito extraordinário seja utilizada para resolver o Teto neste ano. Vale dizer, finalmente, que o espaço para corte em despesas discricionárias é quase nulo. O risco de rompimento do Teto, portanto, é alto, como temos mostrado nos relatórios de acompanhamento fiscal da IFI.
TC Mover – O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que o governo precisará cortar cerca de R$60 bilhões para cumprir o Teto de Gastos neste ano, inclusive porque teria prometido R$20 bilhões em emendas para a eleição das presidências do Congresso. Qual o tamanho do corte necessário para preservar o Teto no formato atual e quais gastos ameaçam o Teto neste ano?
Salto – O Teto, como originalmente previsto, dificilmente será cumprido até o décimo ano da regra, quando a própria Emenda 95 permitiria uma alteração no indexador. Para 2021, a despesa discricionária projetada na Lei das Diretrizes Orçamentárias, sem contar emendas parlamentares, que são impositivas, é de R$ 83,9 bilhões. Este nível é muito baixo e já representa, portanto, um de dois riscos: shutdown ou rompimento do Teto. Para incorporar novas despesas e respeitar o Teto, seria preciso lançar mão do instituto do crédito extraordinário. A ver o que o governo decidirá.
TC Mover – Para analistas, a prorrogação do auxílio emergencial ou gastos em obras públicas podem prejudicar a sustentabilidade da dívida. Outros acreditam que estas medidas ajudariam a impulsionar a atividade econômica. Devemos nos preocupar com estas iniciativas? Como elas impactam dívida, juros e câmbio?
Salto – A Constituição prevê o mecanismo do crédito extraordinário para situações de exceção. A precariedade do mercado de trabalho e o número de pessoas desguarnecidas, do ponto de vista da renda, são questões presentes no contexto atual. O ponto chave é entender que, provavelmente, haverá necessidade de gastos adicionais, mas isso não necessariamente piora as perspectivas para o médio prazo do ponto de vista fiscal, para o qual há que se ter um plano de reequilíbrio das contas. O problema fiscal não será resolvido em 2021.
TC Mover – Qual o impacto da eventual prorrogação do auxílio para a preservação do Teto este ano? Vê como necessário um auxílio no momento e, se sim, qual seria uma forma sustentável de fazer isso?
Salto – Mesmo que cortes sejam feitos em gastos obrigatórios, por exemplo, interrompendo concursos a título de recomposição de aposentadoria, dificilmente seria possível encontrar volume de recursos suficientes para compensar um novo auxílio. O caminho mais provável é que se utilize o expediente do crédito extraordinário.
TC Mover – O ministro da Economia, Paulo Guedes, admite incluir uma cláusula de calamidade que permita estender o auxílio. Seria um caminho para evitar que o Teto seja furado, tendo em vista o recrudescimento da pandemia de Covid-19?
Salto – A extensão da calamidade não seria condição necessária para se fazer um crédito extraordinário e financiar o auxílio, mas este caminho sugerido pelo ministro Guedes pode ser feito. De todo modo, é bom lembrar que, em muitos anos “normais”, há edição de Medidas Provisórias de crédito extraordinário. Importante ressaltar que, mesmo excepcionalizando esses gastos do Teto, o déficit será afetado e a dívida, idem. Então, é preciso fazer uma análise mais completa, e não apenas focada no Teto.
TC Mover – Qual o impacto da eventual privatização da Eletrobras e da aprovação de marcos regulatórios, como da Cabotagem, Gás e do Saneamento, já votados ou parcialmente votados pelo Congresso, para a recuperação e sustentabilidade fiscal?
Salto – Não consideramos essas questões, diretamente, nos nossos cenários. Se houver receitas extraordinárias, o primário ficaria melhor. Não é nosso cenário base.
TC Mover – Em sua opinião, qual a relação entre a vacinação e a recuperação fiscal?
Salto – A vacinação é fundamental para que a recuperação, já em curso, ainda que gradual, continue encontrando lugar. Sem a vacinação, os efeitos de um período maior de evolução da doença serão grandes sobre o PIB e, portanto, sobre as receitas do governo. Isso afetará o déficit e a dívida. A alta dos juros está precificada, em maior ou menor grau, por grande parte dos analistas. Se houver devoluções do BNDES, a dívida ganharia com isso, mas os problemas estruturais remanesceriam.
TC Mover – Por fim, o mercado deve manter seu foco na rigidez original do Novo Regime Fiscal?
Salto – É preciso evitar o “oito ou oitenta”. A realidade mudou e isso não significa que o Teto tenha de ser abandonado. Também não se deve imaginar, por outro lado, que será possível cumprir o ajuste previsto pelo Teto integralmente, sem endereçar respostas às novas demandas trazidas pela crise. Em 2020, o mercado aceitou bem o uso do expediente do crédito extraordinário. É possível que, dada a evolução da pandemia, o mesmo acabe ocorrendo neste ano. O fundamental é que a responsabilidade fiscal seja preservada, com transparência e compromissos e medidas claras para retomar o superávit primário, a médio prazo, e reequilibrar, num primeiro momento, a dívida/PIB, para em seguida passar a reduzi-la. Isso levará tempo.
Texto: Leopoldo Vieira
Edição: Guillermo Parra-Bernal e João Pedro Malar
Arte: TC Mover

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