Este é mais um texto da nossa série de textos sobre dificuldades financeiras e formas de avaliar o risco de crédito e probabilidade de falência das nossas empresas brasileiras. Usamos como exemplos a Via Varejo (VVAR3) e a Oi (OIBR3).
O texto está dividido nos seguintes grandes tópicos:
- As várias métricas de Altman para dificuldades financeiras
- Adaptações do Z-Score para estimar a probabilidade de falência das empresas brasileiras
- Exercício prático: aplicação dos modelos de probabilidade de falência ao caso da Via Varejo (VVAR3)
- O caso de dificuldade financeira da Via Varejo é tão ruim quanto o da Oi?
- Resumo dos resultados acerca da avaliação da probabilidade de falência da Via Varejo
Boa leitura!
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Introdução
Primeiramente, postamos recentemente a aplicação do modelo de dificuldades financeiras de Altman para a Via Varejo (VVAR3), de modo a tentar mensurar uma possível probabilidade de falência da companhia.
Mas, de acordo com a interpretação dos dados, os resultados apontaram que a companhia estava de fato em uma situação de dificuldade financeira e poderia ter aumentado a probabilidade de falência.
isso não quer dizer que necessariamente haverá a falência, já que todos os seres vivos correm risco de um dia morrer e toda empresa que começa as atividades corre o risco de fechar as portas, pelo processo de entropia.
Portanto, ao mesmo tempo em que reforçamos a limitação do modelo para o mercado nacional, o que é esperado, visto que ele foi desenvolvido para o mercado dos EUA, também gostaríamos de reforçar que o modelo foi construído várias décadas atrás.
Dessa forma, é prudente atualizar a estimação do modelo e também realizar o teste dos dados com empresas do Brasil.
Aproveitando a oportunidade, iremos:
- Explicar a história do modelo
- Aplicar outros modelos desenvolvidos para o mercado brasileiro
- Atualizar os resultados obtidos
Porém, como o leitor poderá perceber ao concluir a leitura, a conclusão é mantida:
- Mudam-se os parâmetros e os resultados quantitativos, mas as implicações qualitativas são mantidas.
As várias métricas de Altman para dificuldades financeiras
No artigo anterior, falamos que o modelo de Altman, conhecido como Z-Score, é um dos mais utilizados para estimar a probabilidade de falência das empresas.
Portanto, este modelo muito usado para avaliar empresas em dificuldades financeiras foi desenvolvido inicialmente para empresas abertas norte-americanas.
Mas, ao criar o modelo Z-score, Altman usou um sistema de ponderação juntamente com outros índices que previam a probabilidade de falência.
No total, Altman criou três Z-Score diferentes para diferentes tipos de negócios, conforme você poderá conhecer abaixo:
- Modelo original: Z-Score de Altaman de 1968
- Cálculo da probabilidade de falência para manufatureiras fechadas
- Estimando a probabilidade de falência para manufatureiras abertas
Modelo original: Z-Score de Altaman de 1968
A princípio, o modelo original foi lançado em 1968 e foi projetado especificamente para empresas abertas de manufatura com ativos acima de US $ 1 milhão.
Contudo, o modelo original excluiu empresas fechadas e não manufatureiras com ativos inferiores a US $ 1 milhão. O artigo original pode ser acessado aqui: Altman (1968).
No primeiro artigo da nossa série sobre dificuldades financeiras e métricas para estimar a probabilidade de falência, nós falamos sobre o modelo original.
Caso não tenha lido o artigo, clique aqui.
Cálculo da probabilidade de falência para manufatureiras fechadas
Mais tarde, em 1983, Altman desenvolveu dois outros modelos para uso em pequenas empresas fechadas de manufatura.
O escore Z do modelo A foi desenvolvido especificamente para empresas de manufatura privadas, enquanto o modelo B foi criado para empresas de capital aberto.
Assim sendo, os modelos de Z-score de 1983 incluíram vários pesos, sistemas de pontuação de previsibilidade e variáveis.
Assim, o modelo apresentado abaixo (apresentado no artigo anterior), trata-se do modelo revisado, desenvolvido para empresas de capital fechado e não industriais.
A interpretação apresentada por Altman é a seguinte:
- Empresas com Z acima de 2,9 apresentam risco de falência insignificante.
- As companhias com Z entre 1,23 e 2,90, estão na região de indecisão.
- As empresas com Z abaixo de 1,23, apresentam risco de falência.
Estimando a probabilidade de falência para manufatureiras abertas
Há ainda um modelo original revisado para empresas de capital aberto e industriais, que pode ser expresso conforme a equação abaixo.
Quanto menor a pontuação do Z-Score de Altman, maiores são as chances de uma empresa apresentar um quadro de dificuldades financeiras.
Mas, segundo Altman, usando o Z-Score de empresas abertas nos EUA, um Z-score inferior a 1,8 significa que a empresa está com dificuldades financeiras e com alta probabilidade de falência.
Por outro lado, uma pontuação igual ou superior a 3 significa que a empresa está em uma zona segura e dificilmente entrará em falência.
Uma pontuação de Z-Score entre 1,8 e 3 significa que a empresa está em uma área cinzenta e com uma chance moderada de declarar falência.
Porém, como o modelo foi aplicado nos EUA, devemos ter alguma adaptação para o mercado brasileiro para adequar melhor o modelo à realidade das nossas empresas.
Adaptações do Z-Score para estimar a probabilidade de falência das empresas brasileiras
Da mesma forma, hoje existem diversos outros modelos para atestar se empresas estão em dificuldades financeiras e se irão ou não à falência.
Neste texto, vamos falar de alguns deles:
- A primeira adaptação do Z-Score de Altaman para o Brasil
- Modelo mais recente de Martins e Ventura Junior (2020) para estimação da probabilidade de falência
A primeira adaptação do Z-Score de Altaman para o Brasil
A primeira adaptação de modelos de dificuldades financeiras ou estimação de probabilidade de falência para o Brasil foi feita por Altman, Baydia e Dias (1979).
Por outro lado, o estudo dos autores usou 58 firmas, das quais 23 formaram o grupo chamado de amostra do problema sério (PS).
Certamente, a técnica estatística adotada foi a análise discriminante linear.
Eventualmente, o estudo resultou em dois modelos de previsão de falência baseados no modelo atualizado de Altman (1968), para o mercado nacional:
O primeiro modelo, identificado por Z1, inclui as variáveis X2, X3, X4 e X5.
O modelo Z1 não inclui a variável X1, porque os autores decidiram retirá-la, visto que a X1 não contribuía para o poder explicativo do modelo e que o sinal do coeficiente de X1 era contrário à lógica e a intuição do modelo.
As variáveis X1, X2, X3, X4 e X5, são as mesmas do modelo original do Altman (1968), respectivamente:
- X1 = Capital Circulante Líquido/Ativos Totais
- X2 = Lucros Retiros/Ativos Totais
- X3 = EBIT/Ativos Totais
- X4 = Valor de Mercado/Passivos Totais
- X5 = Receitas Totais/Ativos Totais
Segundo os autores:
“Em ambos os casos, o ponto crítico de separação dos grupos é zero. Isto é, firmas com índice Z maior que zero são classificadas no grupo de empresas cujos perfis indicam a perspectiva de continuar em operação e firmas com índice Z menor que zero são classificadas como tendo características semelhantes às empresas que experimentaram problemas sérios. […] Para o modelo Z1, a ordem de importância é X2, X3, X5 e X4. Para o modelo Z2 a ordem de importância é X3, X4, X5 e X1”. Altman, Baydia e Dias (1979).
Modelo mais recente de Martins e Ventura Junior (2020) para estimação da probabilidade de falência
Por fim, Martins e Ventura Junior (2020), reestimaram o modelo Z2 de Altman, Baydia e Dias (1979) usando uma abordagem diferente: o modelo de probit.
A amostra foi composta por 23 empresas que formalizaram pedidos de recuperação judicial entre os anos de 2010 e 2015.
Os autores apresentam o seguinte modelo para estimar a probabilidade de falência:
Ainda assim, visto que estamos tratando de um modelo probit, o resultado do P(Zi=1) indica a probabilidade de a empresa entrar em insolvência.
Nesse sentido, isso quer dizer que não temos um Z-Score de referência, mas uma probabilidade! Portanto, isso facilita o uso do modelo, inclusive.
Dessa forma, podemos comparar a probabilidade de falência de uma empesa com outra e também comparar a probabilidade de falência de uma mesma empresa em períodos diferentes.
Ressaltando, sempre, que todos os modelos são representações da realidade e não a própria realidade. Logo, eles têm limitações e não devem ser utilizados sozinhos e nem como uma verdade absoluta.
Exercício prático: aplicação dos modelos de probabilidade de falência ao caso da Via Varejo (VVAR3)
Agora, vamos aplicar o seguintes modelos de dificuldades financeiras, ou probabilidade de falência, para o caso da Via Varejo, controladora das Casas Bahia e Ponto Frio, cujo ticker na bolsa é VVAR3:
- O modelo de Altman (1968) revisado para empresas fechadas (Aplicado anteriormente); [Z(AbertasUSA]
- O Altman original para empresas abertas e industriais americanas [Z(AbertasUSA)];
- O modelo Z1 de Altman, Baydia e Dias (1979) [Z1(AbertasBR.ABD79)];
- O modelo Z2 de Altman, Baydia e Dias (1979) [Z2(AbertasBR.ABD79)];
- O modelo Z2 reestimado por Martins e Ventura Júnior (2020) [Z2(AbertasBR.OVJ20)].
Assim sendo, já que os modelos Z(AbertasUSA), Z1(AbertasBR.ABD79), Z2(AbertasBR.ABD79) e Z2(AbertasBR.OVJ20) requerem o uso de dados de mercado da Via Varejo e recentemente tivemos uma forte deterioração dos preços da mesma vamos usar 4 horizontes temporais: primeiro dia útil de janeiro, fevereiro, março e o dia 19 de março em específico.
Resultado do Z(FechadasUSA)
Este é o modelo Z-score para empresa fechadas não industriais dos EUA que aplicamos em uma postagem anterior.
Interpretação: A interpretação apresentada por Altman é que as empresas com Z acima de 2,9 apresentam risco insignificante.
As companhias com Z entre 1,23 e 2,90, estão na região de indecisão.
Já as empresas com Z abaixo de 1,23, apresentam risco de insolvência.
Logo, os valores do Z-Score da VVAR3 apontam para a possibilidade de falência. Porém, não temos nada de novo aqui. Este modelo não é adequado o suficiente.
Vamos para o próximo.
Resultado do Z(AbertasUSA)
Este modelo requer o uso do valor de mercado do patrimônio líquido. Usamos 4 datas: 1º dia útil de janeiro, fevereiro, março e o dia 19 de março.
Segundo o autor, um Z-score inferior a 1,8 indica que a empresa está com dificuldades financeiras e com alta probabilidade de falir.
Logo, os valores do Z-Score da VVAR3 apontam para a possibilidade de falência.
Porém, não temos nada de novo aqui. Novamente, este modelo não é suficientemente adequado.
Seja como for, vamos para o próximo, com dados brasileiros em um modelo publicado no ano de 1979.
Resultado do Z1(AbertasBR.ABD79)
Este modelo é Z1 estimado por Altman, Baydia e Dias (1979) e, similar ao modelo de Altman (1968), requer o uso do valor de mercado do patrimônio líquido.
Usamos 4 datas: 1º dia útil de janeiro, fevereiro, março e o dia 19 de março. Lembrando que o Z1 não apresenta a variável X1.
Conforme, os autores, o ponto crítico de separação dos grupos é zero: firmas com índice Z maior que zero são classificadas no grupo de empresas cujos perfis indicam a perspectiva de continuar em operação e firmas com índice Z menor que zero são classificadas como tendo características semelhantes às empresas que experimentaram problemas sérios.
Logo, os valores do Z-Score da VVAR3 apontam para a possibilidade de falência.
Novamente, é possível argumentar que o modelo é antigo e não se aplica mais ao Brasil.
Vamos para o próximo, com dados brasileiros em um modelo publicado no ano de 1979 em uma outra abordagem.
Resultado do Z2(AbertasBR.ABD79)
Abaixo, temos os resultados para o modelo Z2, aplicado no Brasil por Altman, Baydia e Dias (1979).
Decidimos não repetir a tabela com os valores contábeis.
Assim também, segundo os autores, o ponto crítico de separação dos grupos é zero: firmas com índice Z maior que zero são classificadas no grupo de empresas cujos perfis indicam a perspectiva de continuar em operação e firmas com índice Z menor que zero são classificadas como tendo características semelhantes às empresas que experimentaram problemas sérios.
Como resultado, os valores do Z-Score da VVAR3 apontam para a possibilidade de falência.
Novamente, é possível argumentar que o modelo é antigo e não se aplica mais ao Brasil.
Vamos para o próximo, com um modelo mais recente, feito com empresas brasileiras e publicado em 2020.
Resultado do Z2(AbertasBR.OVJ20)
Dessa forma, o modelo Z2 com função probit reestimado por Martins e Ventura Júnior (2020) está exposto abaixo.
Novamente, visto que os valores se repetem, decidimos não reapresentar os números contábeis.
Mas, para exemplificar, mostramos o cálculo para o primeiro caso, cujo valor de mercado foi obtido em 2 de janeiro de 2020. O restante está exposto na tabela.
No geral, como a variação do valor de mercado em relação ao passivo total não contribuiu para uma variação significativa no valor estimado do Z, temos uma média de probabilidade de falência de 30,689% para a Via Varejo (VVAR3).
Mas, o quanto isso é ruim? Observando a média do Z-Score de 16,91% para a amostra das empresas coletadas no estudo de Martins e Ventura Júnior (2020), conclui-se que a probabilidade de falência da VVAR3 é 1,81x maior que o da média das empresas brasileiras entre 2010 e 2015.
O caso de dificuldade financeira da Via Varejo é tão ruim quanto o da Oi?
Para reforçar a comparação, vamos olhar uma empresa conhecida por seu problema de recuperação judicial: a Oi S.A (OIBR3). Decidimos usar apenas o valor de mercado de 19 de março. Os resultados seguem expostos na Tabela 9, abaixo.
Assim, conforme apresentado, segundo o modelo reestimado de Altman, Baydia e Dias (1979) por Martins e Ventura Júnior (2020), a probabilidade de falência da VVAR3 é de 30,672% contra 30,211% da OIBR3.
Os resultados piores da VVAR3 foram exacerbados pela sua falta de capital de giro líquido.
Resumo dos resultados acerca da avaliação da probabilidade de falência da Via Varejo
Contudo, a tabela abaixo resume os resultados encontrados neste nosso estudo. Obviamente, eles não são 100% certos.
Como dito anteriormente, usamos modelos e os modelos são simplificações da realidade.
Portando, a empresa pode emitir novas ações para fomentar as atividades de curto prazo e manter as suas operações, bem como usar linhas de crédito pré-aprovadas e fazer promoções para vender estoques de giro lento.
Porém, existem diversas evidências que apontam que empresas acima do seu valor justo (overvalued) e que apresentam dificuldades financeiras, podem usar SEOs para recapitalizar a empresa (alguns estudos aqui e aqui).
Logo assim, basta saber qual será a solução adotada pela Via Varejo.
Para ler sobre uma análise mais qualitativa dos problemas que a Via Varejo está passando, recomendo a leitura do texto abaixo e assistir ao vídeo ao final do texto.
Via Varejo: análise da situação financeira com o Covid-19
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Referências
Altman, E. I. (1968). Financial ratios, discriminant analysis and the prediction of corporate bankruptcy. The Journal of Finance, 23(4), 589-609.
Altman, E. I., Baydia, T. K. N., & Dias, L. M. R. (1979). Previsão de problemas financeiros em empresas. Revista de Administração de Empresas, 19(1), 17-28.
Martins, Orleans Silva, & Ventura Júnior, Raul. (2020). Influência da governança corporativa na mitigação de relatórios financeiros fraudulentos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 22(1), 65-84.
Walker, Mark D. & Wu, Qingqing. (2019). Equity issues when in distress. European Financial Management, 25(3), 489-519.
Park, B. (2018). Equity Issues by Distressed Firms around the World. Asia-Pacific Journal of Financial Studies Consortium. Working paper. Disponível em http://www.apjfs.org/resource/global/cafm/2018-4-8.pdf