É muito provável que você já tenha sido influenciado ou tenha influenciado alguma decisão por meio de uma âncora. No texto a seguir, discutimos sobre a ancoragem e como nossas decisões são mais influenciadas do que gostaríamos (ou acreditássemos) que fosse, ainda que por informações sem qualquer ligação óbvia com a decisão em questão. O texto está dividido em quatro tópicos:
- Conceito: o que é ancoragem?
- Teste: o quanto você é influenciado pela ancoragem?
- Exemplo: como a ancoragem está presente nas finanças?
- Reflexão: a importância de conhecer esse conceito
Boa leitura!
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Conceito: o que é efeito ancoragem?
A ancoragem é reconhecidamente uma das heurísticas mais influentes, tanto pela psicologia como nas finanças comportamentais. No livro “Rápido e Devagar: duas formas de pensar”, Kahneman discorre um pouco sobre como o seu trabalho em parceria com Amos Tversky, o qual pode ser encontrado neste link, e que demonstrou a relevância das âncoras, embora não tenham sido os primeiros a identificá-las.
As âncoras são referências subjetivas, que podem ser provenientes da experiência, sugestões, cálculos anteriores, ou até mesmo da aleatoriedade. Kahneman (2011) exemplifica que “Qualquer número que lhe peçam para considerar como solução possível para um problema de estimativa induzirá um efeito de ancoragem”. Outros autores, como Dan Ariely e Richard Thaler, também abordam a ancoragem em relação as decisões do dia-a-dia.
Teste: O quanto você é influenciado pela ancoragem?
Pense em um ativo que você não acompanha. Agora, imagine quanto vale este ativo. Você acredita que este ativo vale mais ou menos que R$65? Guarde a sua proposição e faça a mesma pergunta a outra pessoa, agora pergunte a ela se este ativo escolhido por você vale mais ou menos que R$10. Provavelmente as proposições de valor dada por vocês distanciam-se bastante, e o que deve ter influenciado isto é justamente o valor colocado como âncora, neste caso de R$65 ou R$10.
Diversas evidências experimentais tem demonstrado efetividade das âncoras em relação a precificação de bens e serviços. Sendo assim, é possível reconhecer cada vez mais a presença delas nas estratégias de negociações. Diante disso, ao mesmo tempo que surgem negociações são oportunas para uma parte, as mesmas podem ser desfavoráveis à outra.
Como o efeito ancoragem está presente nas finanças?
Pela onipresença em função de sua presença subjetiva, a ancoragem influencia tanto aspectos internos como externos das organizações: desde o processo de elaboração dos orçamentos até mesmo nas avaliações de precificação de ativos, reavaliação do spread da dívida, estimação de retornos, previsão de analistas, julgamento da auditoria, entre outros.
A ancoragem no caso das finanças está muito relacionada às informações dispostas e experiências passadas. Onde, embora o histórico não estabeleça uma relação de causa e efeito sobre o futuro, pode ter muita informação que direciona as decisões das partes interessadas, por ser um ponto de partida, e a partir deste ponto realizamos ajustes.
O problema é quando este ponto de partida é tomado como verdadeiro e irrefutável, além do que realmente é. Como há uma tendência normal à ancoragem e realizar apenas ajustes situacionais, outras circunstancias comportamentais podem manifestar-se conjuntamente e confundir-se influenciando negativamente a decisão, como o excesso de confiança ou o senso de controle.
Reflexão: a importância de conhecer esse conceito
Ainda que situações como a do teste de pensar em um ativo não aconteçam normalmente, quando há a precificação tomam-se alguns valores como âncoras. Mesmo que estes valores sejam muito baixos ou muito altos, há uma tendência comportamental em levá-los em consideração. Isso ocorre ainda que as pessoas detenham expertise sobre o que estão a avaliar.
A ideia de entender como a mente funciona para tomar decisões remete a uma avaliação um pouco mais criteriosa, e até mesmo desconfiada, às vezes. Conhecer a ancoragem e como ela acontece no dia-a-dia, não só nos investimentos abre um leque de oportunidades, tanto para explorá-la em nossas negociações, como para alertarmos quando estamos na situação oposta, onde outros indivíduos ou instituições dispõem de informação que pode ser considerada como uma referência subjetiva para decidirmos.
Subestimamos nossas limitações em relação à presença de heurísticas e vieses, possivelmente porque não pensamos que eles podem estar na inconsciência. Conhecê-los pode nos ajudar, pelo menos, a pensar mais sobre sua influência no cotidiano, dos cardápios à avaliação de investimentos.
Referência
Kahneman, D. (2011). Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux.

Professor de Contabilidade, Contador e Doutorando em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.